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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

RESENHA DO LIVRO: EDUCAÇÃO E MUDANÇA

Freire, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979

A temática central deste livro de Paulo Freire é a mudança. Mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais, mudança de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, mudança de um ser alienado para um ser histórico conhecedor de seu papel na sociedade, mudanças de paradigmas filosófico, sociológico, pedagógico e até antropológico do homem.
Este livro marca o final de um período de cerceamento da liberdade da sociedade brasileira, o início de um período de abertura das instituições democráticas e o retorno de Paulo Freire após um longo período de exílio onde viveu em diversos países do mundo.
A temática central do livro é dividida em quatro tópicos subjacentes e subdivididas em muitas outras que serão explanadas a seguir.
No primeiro tópico “O Compromisso do Profissional com a Sociedade” o autor analisa filosófica, semântica e sintaticamente o emprego dos termos utilizados neste título. Indaga sobre a ontologia do ser sujeito do compromisso. Pois somente o homem “... é capaz de sair de seu contexto, de ‘distanciar-se’ dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; ... somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se.”
O autor afirma que “O verdadeiro compromisso é a solidariedade ... com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em ‘coisas’. “
Em seguida, quando fala do profissional, diz que quanto mais o homem se capacita, mais sistematiza suas experiências, mais utiliza do patrimônio cultural, que é de todos, e a quem deve servir com muito mais responsabilidade. O homem não pode se deixar seduzir pelas tentações míticas, entre elas, a da escravidão à técnica, que sendo elaboradas pelos homens, são suas escravas e não suas senhoras.
Os profissionais não podem, pois, “julgar-se salvadores dos demais, donos da verdade, proprietários do saber, que devem ser doados aos ‘ignorantes e incapazes’ ... se procedo assim, não me comprometo verdadeiramente como profissional nem como homem. simplesmente me alieno.” Segundo o autor, existe um falso dilema entre humanismo e tecnologia. Porém, para ele humanismo e tecnologia não se excluem, já que o primeiro implica a segunda e vice-versa. “Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa.
Apesar de o autor ter elaborado suas reflexões à cerca do assunto há mais de três décadas atrás, onde a situação era bastante adversa da atual, considero que estas ainda são tidas como gargalos da educação brasileira. Desculpas não faltam para os profissionais da educação para encobrir suas responsabilidades no mau desempenho da educação brasileira. Mas com todos os percalços existentes, entendo que poderíamos estar numa posição mais privilegiada se houvesse maior comprometimento dos profissionais que trabalham nas escolas, assim como daqueles responsáveis pelas políticas públicas de organização, gestão e financiamento do setor ligado à educação.
No tocante aos profissionais que saem das Universidades, vejo uma falta de preparo muito grande no que diz respeito às novas tecnologias, pois pelo menos quando fiz a minha graduação não houve preocupação em trabalhar a fundo essas matérias tão importantes no novo contexto educacional.
No segundo tópico do livro, Paulo Freire aborda “A Educação e o Processo de Mudança Social” onde começa refletindo sobre o inacabamento ou inconclusão do homem. Diz que o homem “... é um ser na busca de ser mais” e que este “... deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.” Por ser incompleto, o homem não sabe de maneira absoluta, assim como não há ignorantes absolutos.
A base desse processo de mudança social é o amor, a esperança e o diálogo. “Não há educação sem amor...” assim como “Uma educação sem esperança não é educação.” Critica a educação tradicional à qual chama de “educação bancária” advinda de uma sociedade alienada, fechada, resquício de uma sociedade colonial, predatória, onde “se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade diretriz”. Este tipo de sociedade alienada procura desenvolver um sistema educacional para manter seus status inalterados. Procura importar soluções e técnicas de países com características totalmente adversas à nossa realidade, sem criticar, adaptar, reinventar ou recriar para o contexto brasileiro.
Apesar de ser muito criticada, a educação tradicional é a mais praticada em nosso estado. Embora as escolas contestem, mostrem projetos políticos pedagógicos dando conta de concepções filosóficas e pedagógicas crítico social dos conteúdos, por exemplo, ou outras, na verdade, prevalece a “Educação Bancária” criticada por Freire. No meu modo de ver, o que falta é uma gestão escolar mais preparada para lhe dar com a educação. Na Revista Veja, edição 2137, de 04 de novembro de 2009, reportagem “Nota zero em gestão” afirma que 98% dos gestores não se acham responsáveis pelas notas baixas de suas escolas; 90% gastam mais tempo conferindo a merenda do que com a sala de aula; 64% não se julgam suficientemente preparados para o ofício; 36% não sabem se quer a nota de sua escola nos rankings oficiais.
No terceiro tópico “O Papel do Trabalhador Social no Processo de Mudança” mais uma vez o autor volta-se para a análise crítica da frase. Fala do papel do trabalhador que se dá numa estrutura social e nesta há processos dialéticos de mudanças e estabilidades. “Enquanto a estrutura social se renova através da mudança de suas formas, da mudança de suas instituições econômicas, políticas, sociais, culturais, a estabilidade representa a tendência à normalização da estrutura”. Se a estrutura social é obra dos homens a sua transformação também o será. O trabalhador social deve optar. Ou adere pela mudança ou a favor da permanência. Optando pela mudança deve determinar seus métodos e técnicas de ação. Daí não se deve pensar em métodos e técnicas neutros para ações que se dá entre homens. Há, pois, “a necessidade constante do trabalhador social de ampliar cada vez mais seus conhecimentos, não só do ponto de vista de seus métodos e técnicas de ação, mas também dos limites objetivos com os quais se enfrenta no seu quefazer”
Outro ponto citado ainda nesta parte do trabalho e que está no centro destas considerações é o que tem relação com a mudança cultural. “... cultura é tudo o que o homem cria e recria.” Mas “também é a visão que tem ou estão tendo os homens da sua própria cultura, da sua realidade.” Havendo mudanças estruturais profundas, haverá mudanças culturais como um ‘associado conseqüente’ ou ‘eficiente’ do que fazer. Contudo para que haja um associado conseqüente é necessário um trabalho dirigido para a mudança cultural. Isso implica em mudança de percepção da realidade, mesmo quando a estrutura esteja transformada na sua totalidade. “Tentar a conscientização dos indivíduos com quem se trabalha, enquanto eles também se conscientizam, este ... é o papel do trabalhador social que optou pela mudança.”
Vejo que aqui, no nosso Estado, os profissionais tendem pela permanência de seus status quo, pois embora a estrutura social haja modificado bastante após estas análises de Paulo Freire, os professorados amapaenses tendem a seguir os rumos da politicalha. Cada um tenta assegurar alguma função – de preferência fora de sala de aula em alguma secretaria – que lhe assegure uma gratificação extra no fim do mês, não importa se tem ou não competência para aquela área destacada. Sem falar no marasmo que há nos profissionais que terminam o ensino superior, poucos voltam para se especializar, pois o estado, maior empregador, garante a eles uma progressão horizontal, sem quase nenhuma avaliação mais sistematizada, a cada período de dois anos. O que faz dobrar seus salários após suas carreiras na educação básica.
No último tópico o autor fala de “Alfabetização de Adultos e Conscientização”. Descreve com riqueza de detalhe sua pedagogia da comunicação, método ativo dialógico, crítico e criticista, realizado no Nordeste brasileiro. Antes de iniciar a alfabetização, “para conseguir a destruição duma compreensão ‘mágica’ e a construção duma compreensão crescentemente crítica” trabalha-se o conceito antropológico de cultura, “isto é, a distinção entre estes dois mundos: o da natureza e o da cultura”. Após esta etapa, faz-se uma pesquisa inicial nas áreas que vão ser trabalhadas para detectar as palavras geradoras. Estas “são constituídas pelos vocábulos mais carregados de certa emoção, pelas palavras típicas do povo. “... a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si maior percentagem de critérios: sintático ... semântico ... e pragmático”. “Uma vez visualizada a palavra, estabelecido o vínculo semântico entre ela e o objeto” a palavra é separada em sílabas e estas são estudadas em suas famílias silábicas correlatas. Após este momento efetuam-se exercícios de leitura para fixação das novas sílabas e daí a formação de novas palavras.
Trabalho atualmente no Ensino de Jovens e Adultos – EJA, numa escola periférica de
Macapá, e já trabalhei em outras três, todas do lado Norte da Capital, embora a maioria dos profissionais sejam conhecedores do método “Paulo Freire” em nenhuma delas este método foi colado em prática ou ás vezes se quer discutido pelos profissionais que lá trabalhavam. Embora não seja novo, o método Paulo Freire, fará mudanças na forma de trabalhar em sala de aula, e isto traz insegurança para os professores e técnicos. Então preferem ficar nas suas mesmices, utilizando os mesmos cadernos de planejamento que não têm mais forma e nem cor de tantas orelhas e sujeiras deixadas pela utilização de vários anos sem nada modificar.

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